A EPÍGRAFE

“A Terra Desolada” traz como epígrafe uma passagem que se sabe provir do “Satiricon”, do escritor romano Petrônio (séc. I, A.D.), em latim e grego, cuja fonte, todavia, não é mencionada por Eliot. Sua tradução, conforme uma edição brasileira do “Satiricon”, é a seguinte: “Crês tu que eu, que te falo, vi com meus próprios olhos a Sibila de Cumes, suspensa em uma garrafa? Quando os garotos lhe perguntavam: “Sibila, que queres?”, ela respondia: “Quero morrer” (9). Segundo Southam,B.C., as Sibilas, na mitologia grega, eram mulheres que tinham poderes proféticos, sendo a de Cumes a mais famosa. Apolo lhe concedeu vida longa, conforme seu desejo: viveria tantos anos quanto o número de grãos do punhado de terra que tinha em mãos. Todavia, ela se esqueceu de pedir também a eterna juventude e por isso envelhecia continuamente, declinando-se ao mesmo tempo sua autoridade profética (10). Qual o significado dessa epígrafe, antecedendo todo o poema? Referindo-se ao mito de Sibila, na sua condição de morta-viva e impossibilitada de morrer, Eliot está associando-a aos habitantes da Terra Desolada, ou terra da esterilidade espiritual da sociedade de seu tempo (e do nosso). Eles estão imersos na rotina cotidiana e inconsciente do trabalho assalariado, do trabalho pouco gratificante mas necessário para garantir a própria sobrevivência, que condiciona a sua visão de mundo estreita, baseada numa escala de valores discutível, impedindo-os de ver como realmente são, seres que não estão verdadeiramente vivos. Conforme a mitologia das “cerimônias da vegetação” a que o poema frequentemente recorre (apoiado nas duas obras de antropologia antes citadas), eles precisariam morrer a fim de renascer para uma nova vida, não em outro mundo, mas aqui na Terra mesmo, como se verá adiante. Segue-se à epígrafe a dedicatória de Eliot a Ezra Pound (1885-1973), “il miglior fabbro” (o que faz melhor), em reconhecimento à contribuição do poeta amigo à edição final do poema. Essas palavras consistem numa citação (não-atribuída) de Dante, que no Purgatório (XXVI, 117) assim chamou Arnaut Daniel, poeta do século XII, considerando-o superior aos seus rivais provençais (11).

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