O TÍTULO
O adjetivo “waste”, em inglês, comporta diversos significados, o que possibilitaria traduzir “The Waste Land” por: A Terra Deserta, Erma, Desabitada, Devastada, Desolada; Improdutiva; Estéril; Sem Valor, Inútil; de Despejo (6).
Nas melhores traduções em português a que tive acesso, o título do poema varia: Paulo Mendes Campos o traduziu como “A Terra Inútil”, mas se considerou insatisfeito com esse título. Ivo Barroso como “A Terra Devastada”. Idelma Ribeiro de Faria como “A Terra Gasta”. Ivan Junqueira como “A Terra Desolada”. Maria Amélia Neto, em Portugal, como “A Terra Sem Vida”....
Em espanhol, The Waste Land foi traduzido como Terra Baldía e El Yermo (yermo= ermo, desabitado, baldio, inculto). Em francês, como La Terre Vaine (vaine= vã; inútil), La Terre Inculte, La Terre Gaste (gaste= baldia), La Terre Vague (vague= baldia). Em italiano, como La Terra Desolata.
Acredito que a tradução que melhor expressa o “espírito” do poema é aquela adotada por Ivan Junqueira e pelo italiano Alessandro Serpieri-- “A Terra Desolada”, pois abrange não só um sentido físico, mas também psicológico.
Segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa, o adjetivo “desolado” significa ermo e triste, despovoado; desértico; devastado; assolado, arrasado, arruinado; muito triste; consternado, desconsolado. Para o dicionário Aurélio, por outro lado, “desolado” refere-se a algo 1) “Que apresenta aspecto de desolação” (na acepção de “devastação, ruína, destruição” ou “isolamento, solidão; desamparo”) ou algo 2) “Muito triste, inconsolável” (7)
Assim, o termo abrange um conjunto de sentidos que bem refletem as características dos domínios do Rei Pescador (um personagem lendário com quem se identifica o protagonista), afetados por uma maldição, ou, simbolicamente, do mundo em que vive o poeta.
Estou consciente que o título deve manter uma correspondência com a reação de Eliot frente às condições do mundo na época da elaboração do seu poema, em 1922, após a Primeira Guerra Mundial. E que deve também corresponder às referências a tal terra contida nos próprios versos do poema como “terra morta” (dead land- v. 2), terra nutrindo apenas “Um pouco de vida” (A little life- v.7), um “entulho pedregoso” (stony rubbish- v. 20), terra ressecada, em que “a árvore morta não dá abrigo, nem o grilo consolo,/ Nem a pedra seca produz som de água” (/.../ the dead tree gives no shelter, the cricket no relief,/ And the dry stone no sound of water /.../- vv. 23-4), uma terra como o mar “desolado e vazio” visto pelo moribundo Tristan que aguarda a chegada de Isolde (cf. tradução do v. 42, em alemão) etc.
Não basta apenas adotar uma das traduções possíveis do adjetivo “waste” em português. É o que ocorre, por exemplo, com “estéril”. Penso que “A Terra Estéril” não seria uma boa tradução porque atribui a essa terra uma condição permanente, definitiva, o que não é o caso, pois ela pode voltar a ser fértil e produtiva. Segundo a lenda do Rei Pescador -- uma das fontes principais de inspiração do poema --caiu sobre suas terras a praga da esterilidade, relativamente aos reinos animal e vegetal. O adjetivo “waste” relaciona-se à perda da capacidade de reprodução na natureza, assim como ocorre com o Rei. Mas ele será curado, e a terra voltará a ser produtiva, após a intervenção de um determinado cavaleiro. Essa imagem da terra afetada por uma maldição é básica no poema e se associa, metaforicamente, ao seu título.
Eliot inicia suas notas ao poema afirmando que o “o título”, “o plano” e “muito do seu simbolismo incidental” foram sugeridos pelo livro de Miss Jessie L. Weston(1850-1928) “From Ritual to Romance” (1920), que trata das lendas do Graal (as do Rei Pescador estão conectadas a essas, como se verá). Ele também se considera em dívida com outra obra antropológica, “The Golden Bough” (1890-1915), em doze volumes, de Sir James Frazer (1854-1941), especialmente com os dois volumes “Adonis, Attis, Osiris”, “que lidam com antigos mitos de vegetação e cerimônias de fertilidade”, conforme “The Norton Anthology of English Literature”. Segundo essa fonte,
“O estudo de Miss Weston, baseado no material de Frazer e outros antropólogos, mostrou a relação desses mitos e rituais com o cristianismo e mais especialmente com a lenda do Santo Graal. Ela descobriu um mito arquetípico da fertilidade na história do Rei Pescador cuja morte, doença ou impotência (há muitas formas do mito) trouxe seca e desolação para a terra e falha da capacidade de reprodução dos homens e animais. A simbólica Terra Desolada pode voltar à vida somente se ‘um cavaleiro que busca e indaga’ for até a Capela Perigosa, situada no coração daquela Terra, e lá formular certas perguntas rituais sobre o Graal (a Taça) e a Lança—originalmente símbolos de fertilidade, feminino e masculino, respectivamente. A formulação correta dessas perguntas revive o rei e restaura fertilidade à terra. A relação desse mito original do Graal com os cultos da fertilidade e rituais descobertos em muitas civilizações diferentes, e representada pelas histórias de um deus que morre e mais tarde ressuscita (e.g. Tamus, Adônis, Atis), mostra sua origem comum em resposta ao movimento cíclico das estações, com a vegetação morrendo no inverno para renascer na primavera. O cristianismo, de acordo com Miss Weston, deu o seu próprio significado espiritual ao mito; ‘não hesitou em utilizar o meio de instrução já existente, mas ousadamente identificou a Divindade da Vegetação, vista como Princípio da Vida, com o Deus da Fé Cristã’. O Rei Pescador está relacionado ao uso do símbolo do peixe no cristianismo primitivo. Miss Weston afirma ‘com certeza que o Peixe é um símbolo da Vida de antiguidade imemorial, e que o título de Pescador tem sido associado, desde as primeiras idades, com as Divindades que foram consideradas ligadas à origem e preservação da Vida’. Eliot, seguindo Miss Weston, usa assim uma grande variedade de material mitológico e religioso, tanto oriental como ocidental, a fim de pintar um retrato simbólico da moderna Terra Desolada e da necessidade de renascimento” (8).
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